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A tragédia do riso…



Arlequina foi criada no bojo da fantástica animação Batman The Animated Series em 1992. Paul Dini e Bruce Timm estabeleceram algumas questões para a personagem que, mesmo depois dos Novos 52, ainda são referência para a antiga psiquiatra. Não quero, nesse texto, entrar nos pormenores da sua criação, que teve a origem complexificada depois. Só quero chamar a atenção para uma chave de leitura possível, que tem fundamento no lugar que ela ocupa na sua relação com Coringa: uma metáfora para um relacionamento abusivo. Já nos episódios mais clássicos da animação, o jogo de Coringa para manipular subjetivamente a personagem é uma parte constitutiva da relação entre os dois. É interessante, também, como o próprio Batman, em muitos momentos, usa esse aspecto para colocar Arlequina contra o Sr. C. Isso significa que ela tem todos os motivos do mundo para odiar os dois, mesmo que existam vários episódios em que o Morcego tenha tentado ajudá-la de uma maneira mais nobre, digamos assim. Esse é mais ou menos o pano de fundo que eu quero partir.


Amanda Conner e Jimmy Palmiotti conduzem a revista solo de Arlequina como ponto de continuidade das duas séries dos Novos 52. A coisa mais legal, a meu ver, é justamente esse roteiro sem noção, exagerado e, principalmente, divertido. O primeiro arco curto gira em torno da chegada de um alienígena que cai na terra e é triturado para virar salsicha de cachorro quente. Esse fato deixa um bairro inteiro infectado de zumbis. O segundo arco curto é a transformação da gangue de Arlequina em uma banda de Punk para prender uma quadrilha de assaltantes. Enfim, os enredos orbitam por esses temas. Toda a gangue é tão insana quanto sua chefe.


Quando chegamos nos números 6 e 7, somos apresentados ao arco “Coringa ama Arlequina” e as coisas mudam de tom, quase que completamente. Tudo começa quando Arlequina recebe alguns objetos que ligam ela ao Coringa. Pouco depois, após ela terminar uma missão e ir “relaxar” em um clube de luta extrema, uma pessoa misteriosa aprece e mata a mulher que estava prestes a acabar com a palhaça. A partir daí, quando ela chega em casa, vê o Sr. C. sentado em uma cadeira e querendo conversar. Não quero detalhar toda o desenrolar dos fatos, mas quero pontuar algumas coisas interessantes. Depois de alguns acontecimentos, ele conversa com Coringa e começa a “fincar” sua posição depois da separação dos dois. Ela havia falado: “se você me procurar mais uma vez, eu te mato”. A sequência dos quadros é ela colocando em prática sua promessa.


Na revista número 7 existe uma sequência que diz muito sobre o peso da questão envolvida no casal Arlequina/Coringa. Enquanto ele sonha com a reconciliação, tendo visões de um futuro em que casa e tem uma família com Arlequina, ela está sonhando com as agressões, os gritos e as manipulações. Ele usa o argumento de que o arrependimento pode consertar tudo; todas as vezes em que a usou como ferramenta. O encontro entre ela e ele deixa isso muito claro; as marcas dos abusos não saram. Essa não é uma questão de perdão, vingança ou rancor. A metáfora, aqui, a meu ver, é sobre como a tragédia de um relacionamento abusivo não está nos desdobramentos de penas ou punições, mesmo que sejam pontos importantes, mas sim na própria existência de relações assim, nos pontos em que todas as relações podem virar abusivas; na maneira como isso pode ser cultivado e “legitimado” nos pequenos atos.


No fim, a tragédia supera o riso e Arlequina sentiu isso na pele.

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